terça-feira, 31 de julho de 2018

Crônicas de um pai: Feliz Aniversário, Vany!

Crônicas de um pai: Feliz Aniversário, Vany!

'Meu querido diário: ontem, segunda-feira, comemorei pela primeira vez o aniversário de minha mamãe. Não consegui memorizar quantos anos ela fazia, meu pai bem que tentou me ajudar, mas depois da terceira mão espalmada para mostrar o tanto de tempo que minha mamãe completava, eu desisti. O bolo favorito de minha mãe estava sobre a mesa e cantei, cantei parabéns. Minha mamãe resolveu me homenagear e cantou meu nome, foi divertido.

Gostaria de lhe falar sobre o que sinto. Você acha que apenas a procuro para mamar, não é verdade. Busco pelo seu peito para ouvir o seu coração, que, desde há muito me lembra dos meus primeiros dias. Era pequenina e parecia que estava em uma viagem espacial, havia estrelas e células por todos os lados. O som do seu coração e do sangue banhando tudo são minhas lembranças mais antigas. Eu nasci ali. Voltar para junto do seu peito é viver isso uma vez mais, estar de volta ao lugar no qual tudo começou faz muito bem. Sinto-me amada e em minha casa. Ouço o seu peito bater e, agora, ganho sorrisos e juras sem fim. Agora que já sou mocinha e sei andar peço a sua mão para bailar comigo sobre o meu tapete de borracha colorida e espero que cantarole a canção que ouço. Venha, mamãe, vamos brincar!!!

Não, não sou o grude do meu pai. Se peço que faça a minha mamadeira espero dar descanso à minha mamãe, se chamo pelo colo dele desejo, de fato, dar descanso aos seus braços, afinal, ele precisa fazer algo, não acha?

Obrigada, mamãe! Feliz Aniversário!!'

ps. posso lembrar de longe o meu pai, mas sou mesmo a sua parceira!

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Crônicas de um pai: 21 meses (21 + 9 = 30 meses)

Crônicas de um pai: 21 meses (21 + 9 = 30 meses)

Não há mais choros difíceis de serem decifrados, agora, Maria nos diz do que se trata. O 'ai' não é apenas de dor, há o 'ai' de dengo, aquele que recolhe a cabeça e esconde o sorriso de menina. Todos os cremes disponíveis são testados em toda a extensão, isto é, o de cabelos serve para lambuzar as mãos e os joelhos, o de pés serve, também, para a testa e a franja. Maria rearranja e redistribui os usos e papeis de cremes e pomadas. Às vezes deseja comer sozinha, recusa a ajuda que lhe é oferecida e insiste que sabe usar colheres e garfos. Ama ovo cozido e macarrão, tomate e brócolis, feijão e frango, mexerica e manga. Muitas vezes pede para trocar a refeição por um prato de uvas. Ama queijos e iogurtes e, sobretudo, ama mamar no peito de sua super mãe. Escolhe o que deseja calçar, afinal, gosta de olhar para os próprios pés e descobrir as meias e os tênis que está a usar. Sabe dançar, gosta de dançar, inclusive com a própria sombra. Sorri a minha vida em sua boca cheia de dentes

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Crônicas de um pai: O Zoológico

Crônicas de um pai: O Zoológico

Dia desses passeamos no Zoo. A coleção de animais conhecidos foi alargada e eu e Vany tivemos a chance de passear longe do caos da cidade. Maria Luíza combinou alegria e decepção. Não é de hoje que fico intrigado com a representação de animais, de forma particular, as maneiras como os estampamos e os apresentamos para as crianças.

Ursos e coelhos, galinhas e gatos, muitas vezes estão longe dos modelos reais, parecem corresponder a certo imaginário e repertório de livros de imagens. Luíza domina bem as passagens, reconhece cães e gatos, galinhas e pássaros sem grandes dificuldades; anda encantada com as formigas que marcham pelo seu quintal e grita de felicidade ao descobrir uma anãnô (aranha). Da ilustração e do boneco ao mundo real nossa filha não enfrenta grande dificuldade, exceto por dois animais: jacarés e ursos.

Na semana última jacarés passaram a ser imitados em nossa casa. Punhos juntos e as palmas da mão abrindo e fechando são a maneira de nossa filha chamá-lo tudo acompanhado do nome perfeito do bicho: jacaré. Lulu o conheceu pessoalmente, mas não ficou empolgada, decepcionou-se com o jacaré de verdade. Encantou-se e aplaudiu apenas o jacaré que aparecia estampado em lata de lixo. Eu a vi correr e quando me dei conta ela queria me mostrar o jacaré que decorava e informava aos usuários o tipo de lixo a ser recolhido. 'Aqui, papai, olha o jacaré!'.

Os ursos, de igual maneira, nada lembram os que ela conhece em livros e bonecos. Encantou-se mesmo com macacos e girafas, araras e tamanduás. Bem parecidos com os animais que ela já conhece. 'O que é aquilo, mamãe?!', 'É uma anta brincando na água!', 'êba!, vamos brincar na água com a anta, mamãe?!'.


terça-feira, 24 de julho de 2018

Crônicas de um pai: exercícios vocais

Crônicas de um pai: exercícios vocais

Que ela adorava ouvir música eu sabia, mas há algo novo. Ouvir e mexer o corpo eram expressões dela, maneiras que encontrava para se divertir. Demorei, mas percebi o quanto os seus movimentos imitam e reproduzem as coreografias. A aranha que sobe paredes ou a dança de peixes, ou ainda, o jacaré que é sucesso nas últimas 24 horas são interpretadas com esmero por Maria. Se deseja ouvir e brincar a dança do jacaré, dá-lhe o nome 'jacaré' e reúne os pulsos para abrir e fechar as palmas de suas pequenas mãos. Eu e Vany ficamos abismados com a impressionante capacidade de comunicação. Maria ainda sorri de minha cara sem graça tentando ajudá-la a dançar, tentando ajudá-la a brincar. Maria me ensina e eu tento, tento fazer direito, tento. Vivemos com um milagre em nossa casa que agora diz o próprio nome e nos ensina. Ensinou-me que entre os bichos que estampam o seu travesseiro há um 'cacaco', eu de tanto olhar não via que, de fato, havia um macaco. Maria chamou-me a atenção para o que eu não sabia mais. Acompanhar o crescimento de uma criança é, na maior parte das vezes, reaprender a ver. Cores, flores, carros, cacacos e tudo mais ganha nova vida. Não, Maria não apenas imita, ela é inventa o seu mundo. Rogo que saiba fazer o que é certo e o que é bom.

Crônicas de um pai: 'Por que não pode?'

Crônicas de um pai:  'Por que não pode?'

Dia desses, lendo sobre corridas de automóveis, soube que a esposa de um piloto envolvido em acidente de pista teria respondido a críticas feitas ao esposo. Ela esbravejou algo como 'se é para chorar vá fazer balé' em uma rede social. Não sei o que era pior se a confusão de pista ou o depois. O machismo do comentário me leva a conjecturar de que alguém o escreveu no lugar dela. Não posso crer, embora saiba que exista, mulheres adotando comentários machistas.

O acidente de pista aconteceu, esquivar-se de responsabilidade dá ideia de nossa pouca sinceridade. É mais fácil justificar a bobagem do que assumi-la. Tudo ficou pior quando alguém melou a situação com doses de preconceito. Lembro-me de amiga bailarina, lembro-me de seus esforços. Lembro-me dos dedos de seus pés, eternamente machucados. Tortos de tanto bailar, de tanto desafiar a gravidade.

O idiota que escreveu na rede fazendo-se passar por outra teria força para fazer balé?

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Crônicas de um pai: a prateleira de brinquedos

Crônicas de um pai: a prateleira de brinquedos

Chegamos tarde, dentro de poucos minutos a noite chegaria e com ela o frio. Eu precisava adiantar o trabalho da prateleira de brinquedos, decidi que faria isso no chão de nossa sala. Precisava tão somente medir e riscar a madeira. Os cortes seriam feitos em outro momento e ao ar livre. Em virtude da hora adiantada medir e riscar era tudo o que poderia fazer. Decidi-me também a fazer isso dentro de casa pois sabia que Lulu estaria ao meu lado. Não me deixaria sozinho com um monte de ferramentas legais.

Havia a madeira, as réguas, a trena e o lápis. Tudo simples. Então Lulu reordenou tudo. Tomou o lápis de minha mão e começou sem trena ou medições a riscar a madeira sob os seus pés. Isso depois de tornar as folhas de papel nas quais eu rabiscara o desenho e as medidas da prateleira impossíveis de serem decifradas. Mas, francamente, apesar disso, o projeto redesenhado ficou perfeito: radical e simples. Senti falta, por fim, de uma ferramenta que naquelas circunstâncias seria imprescindível: a borracha. O meu traço e o de Lulu na madeira, por vezes, coincidiam e apesar das cores diferentes - eu usava grafite e ela o azul-marinho - havia relativa confusão. Não bastasse isso ao sentar e brincar sobre a madeira os traços esmaeciam.

Levantei-me e percebi o caos simpático de sinais. Minha filha que tanto pede para fazer arte encantou-se com a sua tela gigante. Decidi-me a trazer-lhe uvas. Ela adora uvas e acreditei que poderia ficar ao meu lado e ao mesmo tempo ocupar-se das uvas. Teria tempo para adiantar e concluir as medições. Enganei-me. Eu a sentei na extremidade da madeira, ela ficaria longe da trena e da régua, desta forma poderia retomar as medições e riscar a peça. Quando se viu com uvas em seu colo, sorriu e começou a devorá-las. Passo seguinte, com a boca cheia, pôs-se a escorregar sentada. Pote de uvas em uma das mãos, a segunda mão apoiada sobre a madeira Lulu deslizou sobre a peça e, assim, borrou um pouco mais as linhas já castigadas.

Lulu parou apenas quando o seu pé apoiou-se sobre a régua de riscar. Ela estava de volta ao trabalho. No final, nos salvamos. A madeira, apesar de tudo, exibe as marcas necessárias para a segunda etapa do trabalho: o corte. Lulu está satisfeita, feliz, afinal, comeu uvas e fez arte em uma tela que não tinha fim. Descobriu a textura do lápis azul e do grafite sobre a madeira. Não bastasse isso, fez de minha trena um cachorrinho a levar pela coleira.

Dona Vany não está nada satisfeita, disse que pagou pelo serviço de marcenaria e nada está pronto. Respondi-lhe dizendo dos imprevistos na oficina, mas não arredou pé de ter a prateleira pronta. A vida segue bem em nossa casa sem prateleira de brinquedos e Dona Vany sorri contente. Apenas o lápis azul-marinho não sorri, perdeu a boca, perdeu a ponta de tanto riscar, mas isso tem conserto. Noutro dia, noutra hora será a vez da serra trabalhar. O que vou fazer com a Lulu ainda não sei?

Crônicas de um pai: os meus nomes

Crônicas de um pai: os meus nomes

A família cria nomes. Há o de batismo, há o de afagar, há o de dar bronca e por aí vai. São os nossos nomes, por eles somos conhecidos e damos sinais do nosso humor e do momento de nossas vidas. Há aqueles que usamos em casa e aqueles que damos ao mundo. Dito isso, Lulu fez das suas. Deu-me novo nome, ou melhor, aprendeu a me chamar pelos nomes que a mãe me dá. Dou risada, mal posso acreditar ao ouvi-la me chamar.

Outro dia tentei lhe dizer o meu nome, perguntei-lhe do nome de sua mãe, falei-lhe de seu próprio nome. Aos seus olhos o mundo ganha nova luz. O aprendizado da linguagem é etapa extraordinária na vida de uma criança. Nada fica no lugar depois disso.

terça-feira, 17 de julho de 2018

Crônicas de um pai: a chave

Crônicas de um pai: a chave

Ela sabe qual é a função de uma chave, sabe mesmo diferenciar qual chave abre a porta de nossa casa. Outro dia ela me conduzia pela mão, parou de súbito e deu meia volta. Lembrou-se que havia se esquecido das chaves da casa e sem elas não poderia sair, voltou e apontou para o local em que ficam guardadas: 'chavi'.

Crônicas de um pai: dá mão!

Crônicas de um pai: dá mão!

Nos últimos dias, há uma nova estratégia. Minha filha estende a sua mão para pedir a minha. Ela quer que eu a acompanhe. Curvo-me para segurar, ou antes, para que segure meu dedo e me conduza. Sou levado ao que ela deseja. Lá vamos nós pela casa, lá vamos nós pelo mundo.

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Crônicas de um pai: pai aos 53

Crônicas de um pai: pai aos 53

Sou um pai velho, velho e babão. A idade machuca, faz os ossos doerem e deixa, muitas vezes, o aperto de que estou perto demais da plataforma de partida. Ao me dar conta de minha família, deixo as dores de lado e faço o que se espera, vou brincar de rolar no chão com os meus.

(O porvir é certo)

Crônicas de um pai: o coelho que vive na serra

Crônicas de um pai: o coelho que vive na serra

Sábado último passamos o dia em um chácara na Serra da Cantareira, na divisa de Mairiporã e Atibaia. Perdida, encantadoramente perdida ao lado da estrada havia um caminho cascalhado, três quilômetros depois um lago. Foi ali, junto ao lago que reinamos. Longe da Voluntários ou da Engenheiro Caetano tínhamos um céu azul sem nuvens. Cozinha do interior e animais aos montes. A Dona Pavoa não quis se mostrar em sua realeza, mal consegui descrever para minha filha a beleza de suas penas. Os coelhos, sim os coelhos ocuparam e povoaram a sua imaginação. Foi a primeira vez que Maria Luíza os viu. Encantou-se, encantou-se mais com o coelho do que com o pequeno cavalo ou mesmo a Dona Porca que mais lembrava um hipopótamo de tão grande. Dia de reinações em família. Há um lugar perdido na Serra da Cantareira que nos cativou. Há um coelho branco que, hoje, tantas horas depois, um passarinho me contou, anda a suspirar de saudades de uma menina que por ali brincou.

Crônicas de um pai: a amiga Mel (família)

Crônicas de um pai: a amiga Mel (família)

Ontem, domingo à tarde, visitamos a amiga Sônia, amiga dos tempos de colégio. A casa estava feliz com a chegada da neta - sim, a Sônia é vovó!! - Melissa, a Mel.

Mel e Malu - ou Manu, como chama a si mesma - divertiram-se. Fizeram de tudo um pouco: brincaram de bonecas, comeram bolo e ouviram música. Correram e riram como crianças felizes.

Passados tantos anos, lembrei-me dos dias de crianças quando eu e Sônia estudávamos, lembrei-me das vésperas das provas, dos exercícios de matemática e de história. Foram dias felizes, cheios de esperança (e de algum desespero com as teorias a serem aplicadas na resolução de equações). Mel e Manu estão a brincar, espero que sejam boas amigas e que vivam para se lembrar e para contar aos seus sobre as suas famílias.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Crônicas de um pai: diálogos assustadores

Crônicas de um pai: diálogos assustadores

Aos 20 meses, alguns dos diálogos mantidos nas últimas horas, subimos mais de um degrau.

'Alguém me chamou?', 'chamei!'

'Você está bem?', 'Tô bem!'

'Quer mamadeira?', 'Não, tumati!'

'Quer banana?', 'Não, mixica (mexerica)!'

'Quer se deitar?', 'Não, passêa!'

'Caiu ou você jogou?', 'Joguei!'

Não bastasse isso, há novos gestos. Ontem, lavei e cortei o tomate cereja de que tanto gosta.
Depois de comer os três pequenos tomates, tomou o prato nas mãos e o colocou sobre a pia da cozinha. Após saborear uma mexerica inteira, cansou-se de mastigar o último gomo. Não teve dúvida, retirou o resto da fruta da boca e o colocou na lata de lixo.

Definitivamente entramos em um outro patamar, há até declinações de verbos. Convenhamos conjugar verbos na língua portuguesa é tarefa demais.

terça-feira, 10 de julho de 2018

Crônicas de um pai: eu perguntei e ela me respondeu

Crônicas de um pai: eu perguntei e ela me respondeu

Eu arrumava os parafusos que comprei na quinta última, pensava mesmo que o feriado seria o dia de montar a estante planejada. Razões várias adiaram o projeto de uma estante para guardar os brinquedos, facilitaria a vida de Maria Luíza e a nossa; praticidade e arrumação eram a nossa meta.

Lá estava eu domingo pela manhã separando e guardando as ferragens que usaria quando ouvi vozes. Acreditei que Maria me chamava, caminhei na direção de seu quarto e quando próximo perguntei: 'Alguém me chamou?' Lulu, de pronto, respondeu: 'Chamei'. Aos 20 meses e 10 dias ela estava fagueira e serelepe, sábia que eu estava de pé e pedia a minha presença.

Lulu tem uma maneira própria de avisar que eu já estou acordado, ela levanta o indicador e diz 'óó!!' Ela sabe reconhecer os ruídos, ouve com atenção os passos dos moradores de sua casa. Acompanha tudo com atenção e dedo alerta. 'Então meu pai está reinando no quintal junto às ferramentas e aos parafusos e não me levou? Venha me buscar, papai! Quero brincar com o alicate e a chave sextavada, quero pescar parafusos com a ponta magnetizada da chave de fenda!! Venha logo!'

Por ora, ela não me disse tudo isso, foi apenas o 'chamei', mas não duvido que até o final de semana próximo a frase tenha crescido em complexidade, a atitude e o gesto já estão ali, agora faltam apenas um ou outro nome. Falta pouco.

(Eu e Dona Vany não estamos preparados, mas estamos nos divertindo)

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Crônicas de um pai: a kombi faz 'vruumm'

Crônicas de um pai: a kombi faz 'vruumm'

Sentada, a cabeça descansava sobre a mão esquerda enquanto observava o que se passava ao seu redor. Súbito decidiu-se por nova brincadeira, era hora de pular, ela dizia algo que eu não entedia, assemelhava-se a uma canção, havia ritmo e fonemas que iam e vinham. Compartilhei de sua dança e quando nos demos conta já estávamos em nossa quintal, mal chegamos e ela buscou pelas vassouras, ela adora varrer e, mais ainda, quando tem companhia. Algumas vezes senta-se no degrau da escada e põe-se a apontar: aqui, aqui. Tão pequena e já toma decisões. Entre as artes do quintal está a de regar as plantas. De fato, tanto quanto regar as plantas, Maria aprecia o movimento da água no chão, os caminhos e as poças. Encanta-se com a poça e pratica a sua arte de sapatear. Ri e sapateia. Molha os pés feliz e encantada com tudo quanto há ali, não há o escorregador do parque, mas inventa com os objetos que ele estão ao seu alcance. Roupas molhadas e um sorriso estampado em suas feições, há que se trocar meias e calças e lá vamos nós. Aproveita-se a situação e a fralda também é trocada. Maria resmunga, não gosta de interromper as suas reinações para as trocas, 'estou a perder tempo'. O repertório muda a todo instante, os brinquedos e a forma de brincar, também.

Relaxa não sem antes espernear um pouco, agradam-lhe as cócegas nos pés feita com lenço umedecido. Sossega ao perceber que é acarinhada. Pronta para novas brincadeiras busca o chão. 'Não, lembre-se de como descemos, de costas, desça escorregando o corpo, descer de frente vai machucá-la'. Ela me ouve e suspende o movimento, dá-me ouvidos e escorrega do sofá para o chão. Agora é preciso correr, correr da cozinha para a sala e da sala para o quarto. Ela resmunga, tudo o quer quer, tudo o que pede é 'deita', que, em seu léxico é pedido para ocupar o berço. Ela deseja ouvir as suas canções e brincar com os bichos de pelúcia. Cacá, a ovelha, a fiel escudeira é a primeira a chegar. Aproximam-se Pingo, o elefante, Tatá, o urso, Ararara, a arara, Lota, a ursa branca e quem mais couber no berço de dois alqueires. Encontrou o mosquiteiro e interessa-se pela maneira como toca a sua pele, Maria cobre o próprio rosto como se o seu mosquiteiro véu fosse - receio que ela se machuque, mas está tudo bem - e ri, ri sincera e satisfeita. Quanto de sua vida e experiência não estão cheias de contentamento sincero? Recolho parte de seus amigos e os reconduzo aos outros  cômodos com o propósito de liberar espaço em seu campo de brincar e de faz de conta, a kombi rosa está em suas mãos para que brinque e faça 'vrruummm'. Ela a deixará cair displicente no chão para que venham brincar com ela. De brinquedo em brinquedo, de invenção em invenção ela leva horas de felicidade a todos que estão ao seu redor.

(a pedagoga visionária que dizia blá blu assessora o gato russo que prevê resultados da copa de futebol, estão bem ouvi dizer)

quarta-feira, 4 de julho de 2018

Crônicas de um pai: a casa dorme

Crônicas de um pai: a casa dorme

Eram quase 4 da manhã quando ela me chamou, estava sentada em seu berço. Levava em seu colo a fiel amiga Cacá, a ovelha. O cobertor verde estava distante, temi que estivesse com o corpo frio. Ao se dar conta que eu atendia ao seu pedido sorriu para mim, ainda tonto de sono retribui-lhe abrindo os braços. Abraçou-me e deitou a sua cabeça em meu ombro esquerdo. Recolhi o cobertor e a cobri junto ao meu peito. Fomos para a cozinha preparar a primeira mamadeira do dia.

Permaneceu silenciosa e amorosa junto ao meu peito, levantou uma única vez para saber em que pé estava a nossa operação tetê da madrugada. Mamadeira pronta voltamos para o quarto, deitei-a no berço, ajeitei a Cacá e a cobri. Ela tinha os olhos fechados quando lhe ofereci a mamadeira, ao se dar conta do que lhe era servido mamou sem rodeios e ruidosa. Terminada a refeição, virou-se no berço a buscar pela grade, agarrada a Cacá dorme o sono da madrugada.

Permaneço alguns instantes ao seu lado, sinto vontade de afagar a sua vasta cabeleira, mas temo que acorde. Quero beijar-lhe as bochechas rosadas, mas temo que fique incomodada. Desisto de tantos senões e beijo-lhe o rosto. Lulu sorri, talvez não esteja dormindo ainda, não sei, digo-lhe apenas 'boa noite, minha vida!'. Ao voltar para cama quero tudo contar a Vany, no entanto, ela está fatigada. Desisto de pensar nos senões e a beijo, ela sorri tal como a filha.

(A casa dorme)

Crônicas de um pai: ouvir as conversas alheias

Crônicas de um pai: ouvir as conversas alheias

Tempos não há segredos, melhor, jamais houve segredos em casa, quando muito o tom de voz mudava para que nossa filha dormisse bem. As conversas de pai e mãe, agora, contam com assídua participação de Lulu. Ouve tudo e, aqui e ali, dá o seu pitaco. Repete o que lhe convém, seja para tomar parte e nos ajudar na decisão, seja porque gostou da sonoridade da palavra. Outro dia resmungava e agora quer dizer ao que veio com sujeito, verbo e predicado.

Crônicas de um pai: venha cá, minha pequena!

Crônicas de um pai: venha cá, minha pequena!

Venha ver as orquídeas do nosso quintal, elas estão recuperadas. Elas foram plantadas tempos atrás, foram acarinhadas e quando quem delas cuidava partiu ficaram mudas. Aos poucos graças a Dona Vany elas estão de volta. Houve temporada em que mais de 50 botões floriram, não havia dia que ao chegar em casa não ouvisse de sua avó que deveria ver os novos botões abertos. Era a alegria do dia de sua avó, a maneira dela celebrar os pequenos e quotidianos milagres.

Venha ver como estão bonitos, o nome do mimo é sapatinho holandês. Não sei o porquê de tal nome, será que que queriam falar de diminutos tamancos de madeira? Honestamente, não sei. Os pássaros que tanto lhe agradam e que vivem a cantar para você gostavam de passear por aqui, aos poucos estão voltando para comer em suas mãos. Venha ver minha pequena o presente do mês de julho sob a janela do seu quarto de dormir.

(sei que tudo está aí em sua cabecinha, sei que está a me ouvir, você vez por outra me dá provas de que ouve com enorme atenção; rogo em minhas preces que o mundo lhe ofereça mais orquídeas do que arranhões)

Crônicas de um pai: dengo

Crônicas de um pai: dengo

Não sei como começou, certo dia Maria resmungava. Perguntei-lhe o que era e Vany respondeu pela filha: 'dengo'. Ri da situação, mal sabia das consequências do meu gesto. Agora ao me ouvir perguntar quando resmunga, muitas vezes, Maria responde 'dengo' e se põe a rir. Ela sabe o que é fazer dengo, mas não, ela não é dengosa, não é uma menina que joga com as emoções alheias, ela apenas brinca de dizer dengo.

Crônicas de um pai: passêa di carrim

Crônicas de um pai: passêa di carrim

Mãe e filha curtem as férias, Lulu quer passear, mas não de qualquer forma, ela deseja andar de carrinho. Curioso, acreditávamos que os dias de carrinho de bebê ficaram para trás, no entanto, eles voltaram. Talvez seja a sua maneira de se despedir ao se dar conta de que está crescendo e deixando um quarto cheio de experiências para trás. Quer andar pelo bairro e acenar aos que passam. Exclamar e nomear quem lhe cruza o caminho.

(Nessas horas adoraria ser mais expectador e acompanhar as suas disposições, no entanto, ela pede minha ajuda e meu braço, pede minha atenção e as palavras que lhe ofereço)

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Crônicas de um pai: o tremor (de pai para filha)

Crônicas de um pai: o tremor (de pai para filha)

Começa com um tremor e uma alegria silenciosa, quando você se dá conta está rindo por dentro de contentamento e as suas sinapses estão brilhando ao seu redor. Certa vez, quando ouvia a abertura Coriolano dei-me conta que havia general romano homônimo. O encarte do disco confirmou a direção escolhida. Para minha felicidade eu já tinha na biblioteca as obras de Plutarco - presente de Benedito de Moura - e me mantive na busca. Ao final de instantes, a abertura Coriolano havia mudado de sentido, ou melhor, deixou de ser conjunto de claves e de notas para ser a biografia trágica de um romano em peça musicada. Plutarco acreditava na história como magister vitae e redigir biografias de gregos e de romanos aos pares era a sua maneira de oferecer aos seus leitores ensinamentos a respeito da vida pública. Coriolano era, aliás, apresentado ao lado do grego Alcebíades.

Não, não quero lhe falar da história como magister, mas sim, lhe contar sobre alguns dos caminhos do aprender. Não, não quero lhe contar nada do pensamento germânico do XIX e as suas paixões pela filosofia e literatura clássicas, muito menos falar de compositores que nada ouviam e, ao mesmo tempo, derrubavam notas aos borbotões de suas partituras. Quero lhe falar de aventuras! Você encontrará as que deseja viver, quero apenas lhe falar do tremor do aprendizado.

ps. só de imaginar que já faz das suas, que já descobre ao seu jeito eu estremeço de alegria

Crônicas de um pai: pintá

Crônicas de um pai: pintá

Lápis de cor, giz de cera e tinta estão entre os momentos mais felizes de nossa filha. Ela reconhece os seus cadernos de desenhar e pintar, apesar disso, registra a sua arte em lugares outros. Sexta última cuidou de repintar diversas páginas do caderno de anotações da mãe. Noutras vezes, lugares improváveis se transformam em painéis, foi assim com a tela da tv, a geladeira e a caixa de chaves de fenda.

Se nas primeiras vezes ela dividia-se entre mão esquerda e direita, agora a direita é a sua favorita. Capricha nas cores e aprende. Não sei se verde é a sua cor favorita, mas certamente é a que aprecia chamar pelo nome. Adora oferecer lápis e giz aos que estão ao seu redor e diz: 'venha se divertir, olhaaaa só o que eu pintei!'

Crônicas de um pai: espacate

Crônicas de um pai: espacate

Ai, meu Deus! Ela brincava no tapete de borracha quando pediu ajuda para tirar o tênis. Passo seguinte, levantou-se e apenas de meias começou o espacate. Maria Luíza é adepta do 'vi, aprendi e quero fazer'. Chamei a mãe e ouvi que na véspera ela já executará alguns movimentos de espacate, aos meus olhos tudo era novidade. 'Como assim?'

No colégio em que estuda, sabemos ensina-se balé. Fácil imaginar que em algum momento outro toquinho de gente tal como ela se pôs a brincar de dançar, nossa Luíza gostou do que viu. Lulu aprendeu e agora, em nossa casa, brinca de abrir as pernas como se fosse uma boneca de articulação infinita.
(Definitivamente não estamos preparados para isso, é rápido demais!)