quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Crônicas de um pai: o meu coração

Crônicas de um pai: o meu coração

Há razões desconhecidas e caminhos novos, há que se seguir. Aprumar-se e dizer sim.

Crônicas de um pai: casulos e pupas

Crônicas de um pai: casulos e pupas

Maria toca o meu rosto pedindo que eu me vire. Ela afaga meus cabelos ao mesmo tempo em que os deixa em desalinho. Volto-me para ela e vejo o seu sorriso de quem se diverte comigo. Insiste para que eu torne a virar e ajeita meus cabelos ainda molhados. Ri feliz, ri a sua vida e a minha em um instante. Peço que me conte sobre as borboletas que ainda vivem em casulos e que moram em sua escola. Fala-me de pupas e crisálidas de seu mundo de menina. Conta-me que anda incomodada e disposta, incomodada com todas as mudanças que anda a viver e disposta para o mundo que se apresenta frente aos seus olhos.

Crônicas de um pai: você se dá conta de que ela cresceu quando

Crônicas de um pai: você se dá conta de que ela cresceu quando

Ela já calçada volta ao quarto em busca de outras sandálias e lhe diz 'essa aqui ô'.
Quando ela usa a maria chiquinha não para segurar o cabelo, mas no braço como se fosse pulseira. (As tentativas de tirar do braço para colocar no cabelo trazem tempestades de verão)
Quando você diz que vai sair e ela volta do quarto carregando uma bolsa de mão com cara de urso branco e ela lhe pergunta 'cadê a chave?'

Crônicas de um pai: espaço pequeno

Crônicas de um pai: espaço pequeno

Dia desses, Maria dormiu em nossa cama. Ela havia tomado vacina e para melhor monitorar possíveis reações - febre e choro - dormiu entre nós. Quando ela se dá conta que dorme entre nós, os movimentos durante o sono mudam. Cabeça, braços e pernas buscam ligar pai e mãe. Acordei com dificuldades para respirar, dei-me conta de que a cabeça de Maria estava sobre o meu pescoço ao passo que as suas pernas sobre o peito da mãe. Ela dorme assim e ressona, não importa se o espaço é pequeno ela encontrará meios de o ocupar e de assinalar a sua presença entre nós. Felizmente a noite foi tranquila - na medida do possível - e Maria acordou disposta para as suas reinações de menina-quase mocinha.

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Crônicas de um pai: dá mão!

Crônicas de um pai: dá mão!

Dia desses Vany perguntou-me se havia aprendido a brincar com uma menina, na hora nada respondi, fiquei pensando. Sim, aprendi a vestir bonecas e, aos poucos, aprendo a pentear e desembaraçar cabelos. (Mas isso não aconteceria também se menino fosse?). Aprendi a pintar com minha filha e a fazer das mãos carimbos para colorir. Aprendi porque Maria está ali para me ensinar. Ofereci-lhe uma kombi rosa da qual fez morada de pedras de cânfora. Francamente, é como se permitir levar pela água. Se a colher de pau da cozinha ou o alicate da mala de ferramentas servem aos seus jogos, eu a acompanho, se o bicho de pelúcia ou o livro de ilustrações dos palhaços são nomeados, lá vamos nós. Aos 23 meses de idade ela guarda o repertório e a sequência de seu roteiro de brincar. A energia inesgotável para buscar exaure as minhas pernas cansadas, a disposição para sorrir e se alegrar ao me ver devolvem-me o alento.
('venha me dar a mão, pequeno milagre!')

Crônicas de um pai: o zigurate da Santa Teresinha

Crônicas de um pai: o zigurate da Santa Teresinha (aula de história antiga)

A lateral externa da Igreja estava em reformas, sábado último, início de novena, foi aberta aos que chegavam. Maria Luíza esquadrinhou e pulou, subiu e desceu o zigurate (sim, era isso mesmo, de tão grande e alto, era obra da Velha Mesopotâmia) que dava acesso à lateral da nave. Ela não caminha, saltita, pula e sorri. (Estava feliz)

Crônicas de um pai: eu amo a minha vida

Crônicas de um pai: eu amo a minha vida

Feliz por estar aqui, vivendo com quem vivo e fazendo o que faço. Ouvindo meu pequeno tesouro pedir colo enquanto abre os braços para me receber. O passado no qual chovia é tão distante que custo a crer que existiu um dia. Todavia, há saudades e desejo. Não, não eram chuvas apenas, havia aqui e ali momentos luminosos, saudades deles, saudades de quem os criou e cultivou. Feliz por estar aqui, amo a minha vida.

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Crônicas de um pai: dueto

Crônicas de um pai: dueto

Maria ama tomar banho, escolhe quem a acompanhará; será a sua boneca ou o gato de borracha, a kombi ou a tartaruga amarela?

Agora secar-se ganhou nova dimensão em sua vida. Antes sair do banho significava deixar brinquedos e a água para trás. Dona Vany descobriu maneira de consolá-la: elas cantam.

O dueto é afinado, muito afinado. Maria não apenas cantarola as canções, conhece os versos e os canta, de fato.

Crônicas de um pai: os ipês amarelos de minha rua

Crônicas de um pai: os ipês amarelos de minha rua

Eles estão floridos, carregados e coloridos. A rua ao redor dos troncos fica alegre, colorindo de amarelo o cimento cinza e o asfalto negro.

Maria lembrou-me a sua avó Nassima, minha mãe era mulher atenta aos sinais da natureza. Amava plantas e dedicava parte de seu dia ao cultivo. Ao acordar saudava as suas amigas.

Dia desses, Maria mostrou-me as flores amarelas de nossos ipês, tal como a sua avó, despertou-me para o que estava à minha frente e eu não me dera conta.

(Os ipês de Nassima e de Maria estão em flor, minha mãe na semana que passou faria 95, Maria, em breve, chegará aos 2 anos; apesar de separadas pelo tempo, estão juntas)

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Crônicas de um pai: cadê o passarinho ?

Crônicas de um pai: cadê o passarinho ?

Dias atrás, ela bateu pernas atrás de passarinhos em uma chácara. Divertiu-se observando e descobrindo os segredos do voo. Encantou-se com o ninho e muito mais. Acordou cedo apenas para ouvi-los chamar pelo seu nome.
De volta a São Paulo, Maria me pergunta cadê o passarinho e eu engasgo para explicar que a cidade grande na qual ela nasceu, não é boa para os passarinhos e eles estão a fugir para outros morros.

Crônicas de um pai: certo dia

Crônicas de um pai: certo dia

Certo dia a pequena Maria tomou em seus braços a sua amiga de brincadeiras e a ninou. A sua linguagem bebê servia-lhe para acalentar a fiel escudeira. Ficamos encantados com a cena de um bebê embalando de forma carinhosa a pequena ovelha Cacá. Eu e Vany nos demos conta que havia ali um salto. Os dias e as cortinas voam, Maria cria frases cada vez mais longas, períodos completos. Os jogos de ninar são acompanhados de declarações e de votos, Maria é uma menina, pequena e encantadora. Reúne brinquedos e objetos para viver as suas cenas. Teatro de criança, teatro no qual ensaia e sonha a sua vida. Fico ali, sou parte de seu palco: ‘dá mão’, ‘senta', ‘abriu, pufavô', ‘onde se vai?'. Ausentar-se não é o meu desejo e se a máquina de lavar chama por mim Maria deixará tudo para estar ao meu lado. Ouvirei os seus passos de menina que dança ao caminhar embalada pelas suas canções infantis, nadando como o peixinho dourado ou girando como as rodas do ônibus. Não preciso voltar para trás para saber que o pequeno milagre que nasceu em minha casa está bem ali, sorrindo a sua felicidade de menina que caminha no novo mundo. Quando paro dou-me conta de que já está junto às minhas pernas, ela quer colo. Como o marinheiro da gávea aponta – ‘pra cá!’ – as direções que devo tomar em nossas navegações. Lá vamos nós! Ela se despede de mim todos os dias, vai mais longe, caminha mais segura. Vivo do sorriso que me oferece quando chego ao berçário para buscá-la. Abre os braços e sorri minha vida inteira!

Os cabelos são longos, ainda vejo o rosto da menina que segurei, certo dia, na sala de cirurgia de um hospital de São Paulo. Pouco mudou, ainda aperta os olhos em suas saudações. Eu a vejo caminhar rua acima, antes de dobrar a esquina volta-se para acenar o seu até logo. Ela cresceu e não a vejo mais, agora, ela voa.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Crônicas de um pai:o apelo

Crônicas de um pai:o apelo

Noutros dias ela chorava, abria a boca e chorava sentida como quem acredita que foi abandonada, agora, ela sabe onde está, conhece a casa e os seus ruídos, percebe os movimentos e as rotinas. Sabe mais dos seus pais.

Ela chama, chama de forma serena pelos pais. O som chega suave aos nossos ouvidos, não há resmungo da parte de Maria, apenas o apelo, pede a chance de curtir os últimos instantes da madrugada junto aos pais, quer ouvir os primeiros pios dos sabiás conosco.

Alguém dirá que é preciso 'educar', preferimos cambalear de um cômodo ao outro e trazê-la. Breve, não chamará mais, falta pouco, sentiremos saudades.

Crônicas de um pai: o triciclo do tio Farid

Crônicas de um pai: o triciclo do tio Farid

Sentada em seu triciclo ela segue determinada na trilha que abro entre a sala de visitas e a cozinha, igualmente permanece atenta ao que está ao seu redor. Dirige olhando em todas as direções. Buzina, brinca de buzinar, pela casa; lá pelas tantas olha para a pequena caçamba para saber se a sua amiga de todas as horas - a ovelha Cacá - está em segurança e apreciando a viagem de reconhecimento dos cômodos. Desce e sobe de seu triciclo diversas vezes, ela redefiniu as distâncias entre os espaços de nossa casa.

Lembro-me, enquanto ela viaja pela casa do meu primeiro triciclo. Posso ver a combinação de madeira, metal e borrachas. A cor esmaecida pelo tempo e pelo uso. Lá estou eu andando de um cômodo ao outro evitando pedalar e usando a ponta dos dedos pés como apoio para me deslocar. Gastava as pontas de meus calçados. Tudo mudou graças ao Tio Farid.

Certo dia chamou-me para mostrar três triciclos reformados; fazia isso pelas crianças de seu bairro. Eu deveria deixar o meu velho triciclo e poderia escolher um novo. Foi assim que comecei, de fato, a pedalar, havia espaço para as pernas e o movimento agora era possível. Quando me vi montado avancei pela rua para brincar. Tentei, dias atrás, levar Maria a uma praça para pedalar, desejava vê-la feliz, mas não era hora. Maria divertiu-se mais correndo atrás das pombas que por ali pousavam e disputavam o espaço com o seu triciclo.

Crônicas de um pai: consolo

Crônicas de um pai: consolo

Dar ouvidos, prestar atenção e corresponder; dar ouvidos, prestar atenção e dar meia-volta. Não há regras, há apenas a certeza de que a inspiração e ouvidos atentos são tudo de que se precisa. O check-list ajuda, mas não serve para todas as ocasiões.

Maria ainda ri de minhas caras, tão boa a minha Maria, ri de minha falta de jeito, ri de minha falta de graça. Ela vê mais do que eu sou e vive a me consolar.

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Crônicas de um pai: 'cadê o meu papai?'

Crônicas de um pai: 'cadê o meu papai?'

'Cadê a minha mamãe?; tá molhado!; qué toma bãinho!;  cadê a Cacá?

Agora é assim, a cada frase ouvida há uma repetição. Há esforço e habilidade. A capacidade de compreender dá saltos.

Ao acordar com os passarinhos que antecipam a chegada da Primavera dirá: 'passainho cantando'.

Dias atrás, irmã Iolanda ensinou-lhe saudar em sueco e não é que dias depois ao encontrar a irmã retribuiu-lhe falando bom dia em sueco?

Diverte-se enquanto aprende.


Crônicas de um pai: fuligem

Crônicas de um pai: fuligem

A arte que tomei como minha foi a da ciência da História. Ciência, que, desgraçadamente depois da Segunda Guerra serviu e, ainda serve, mais aos idiotas do que aos homens de bem. Ciência desconstruída para servir aos arautos da demagogia. Acompanhei, infelizmente, a arte da História servir à desonestidade intelectual.

A perda de um acervo consumido pelo fogo é a nossa cara, os comentários das últimas horas reforçam a nossa cultura do descaso e a sanha de culpar o vizinho. Somos uma sociedade pequena, quantas das vozes das últimas horas não estão entre os responsáveis pela tragédia?  Nossos índices de educação se comparados com os de outros nações caem de forma regular e, ainda assim, nos vangloriamos. (do que mesmo?)

Fico a pensar em como lhe dizer tudo isso, minha filha, como contar sobre a mediocridade do mundo no qual nasceu?. Melhor trabalhar, melhor permanecer na senda e mostrar que o talento serve ao nosso propósito. Já lhe contei da biblioteca de livros raros da Universidade de Santiago de Compostela?

Venha vou lhe falar de minhas aventuras naquelas terras. Conheci, certa vez, um geógrafo de Trasalba que falava da perda de uma velha senhora. Mulher que reunia em suas roupas as histórias e falares de imensa área rural. Mulher que sabia cantigas de Santa Maria de cor e a todos reverenciava em sua língua dos interiores da Galiza. Ao morrer o mundo ficou menor, mas quem se dava conta?

Nossa história é cinza, não porque foi incinerada em nossas tragédias, mas sim porque é o quanto valemos todos nós.